quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Técnico x Seleção x Paradigma

Lamentei profundamente a oportunidade perdida com a saída do Mano Menezes da Seleção Brasileira e a posterior indicação do Felipão. Não lamento a saída de Mano... acho que o desempenho dele perdeu o prazo de validade a muito tempo. Lamento, diante da saída, a escolha do Luiz Felipe Escolari.

Mano foi um erro, mas foi um erro na direção certa. Buscava-se um resgate do futebol brasileiro, da nossa tradição e cultura de futebol. Mano veio para tentar reescrever as linhas de nosso traçado em campo, mas, com exceção das primeiras atuações contra equipes muito fracas, nunca conseguiu. O que se queria era o resgate do "futebol arte", da liberdade dos armadores e atacantes, da irreverência e da criatividade virtualmente mortas em nossas seleções. Olhamos tanto para o futebol de resultados que esquecê-mo-nos de como somos encantadores e brilhantes. Desde as divisões de base, formatamos jogadores como produtos de venda ao Futebol Europeu, prontos para adequar-se a um futebol que nunca soube ser brilhante.


O lamento vem do fato de que a Seleção Brasileira é Paradigmática no Futebol, como o são os grandes times campeões em toda parte. Quero dizer que a forma de jogo da Seleção vitoriosa interfere na mentalidade nacional de técnicos, torcedores e jogadores. Estamos a mais de 10 anos vivendo uma fase de privilégio tático em detrimento da técnica. Não é coincidência ocuparmos atualmente a ridícula 18ª colocação no ranking da FIFA. Querem que a criatividade resista sem cultivo. De arte cultuada, a criatividade no futebol transformou-se numa erva daninha que nasce entre uma plantação extensiva, ordenada e mecanizada. Fazer a seleção voltar as origens pode reverberar em todo o futebol brasileiro e isso seria maravilhoso.

Fiquei triste porque perdemos uma oportunidade valiosa de virar o jogo. De tentar redirecionar o barco na direção "certa" que tem muito mais a ver com nossa alma. Pois bem, tiraram o Mano, que não soube fazer o certo, e retrocederam esquecendo o rumo. Escolheram de maneira pragmática, com mais medo de dar errado que vontade de acertar. Felipão é um bom treineiro, mas não para nós. Não é o que precisamos.


Scolari é copeiro, sabe ganhar, tem pulso, é teimoso, chato, briga com a imprensa e, pior de tudo, é inflexível. E assim, monta sucessivamente, ou tenta, equipes iguais as que sempre trabalhou, desde a época de sua estréia como técnico no modesto CSA em 1982. Suas equipes são sempre iguais, numa formação tática que fixa zagueiros, volantes, prende sempre um lateral (alternado), possui um falso meia, que funciona como volante e deixa um meia centralizado, um atacante trombador fixo e outro que cai pelas laterais. As variações desse modelo são mínimas, normalmente "forçadas" pela indisponibilidade de jogadores adequados ou pela disponibilidade de um craque que encaixe na proposta. Foi assim no Grêmio em 1993, nas várias passagens pelo Oriente Médio, no Criciúma em 1991, no Palmeiras em 1997, e na Seleção em 2002. Vários trabalhos deram errado, em geral porque não aceitaram o estilo, "aqui mando eu", ou porque não conseguiu um plantel que encaixa-se na proposta. Basta lembrar a seleção Portuguesa sob sua batuta. Um esquadrão técnico, enclausurado num esquema fixo.

Acho até que ele irá bem na seleção e temos alguma chance de ir bem na seleção, mas sua indicação é um retrocesso. Voltamos a apontar para o modelo da década de 90, de retranca, ordenamento e previsibilidade e corremos o risco de perder a janela de desenvolvimento aberta pelo Barcelona e pela Espanha nos últimos anos. Luiz Felipe possui 19 títulos na carreira e não é coincidência o fato de ter conquistado apenas 2 nos últimos 10 anos. Todos os demais foram até 2002, de lá pra cá apenas o Campeonato Uzbeque e a Copa do Brasil do ano passado.

Perdemos o posto de vanguarda e agora somos meros reprodutores. Estamos mais próximos do futebol feio da Itália do que da fantasia da Seleção de 1982. Mais próximos das retrancas rápidas do Mourinho do que da beleza do toque de bola do Barcelona de Pep Guardiola. Mourinho tem 20 títulos, ganhos integralmente nos últimos 10 anos, mas sempre com um futebol feio de dar dó. Pep tem 18 títulos, todos ganhos nos últimos 4 anos e todos pelo Barcelona, todos dando show. A quem diga que é fácil fazer isso com o Barça, mas deveria ser fácil com o Real também, mas não é isso que vemos.

Detesto o Mourinho e o que ele representa. Não gosto como técnico nem como pessoa. E torci pela indicação do Guardiola. Não que ele seja perfeito, mas ele propõe um esquema de jogo vibrante, baseado no passe, na movimentação, na retenção, na marcação total e na criatividade. Muito mais ao nosso gosto, ou pelo menos ao que deveríamos "voltar" a gostar. Os únicos técnicos Brasileiros que vejo podendo fazer isso são o Murici, o Abel e o Luxemburgo. Murici perdeu o bonde. Abel tem pouco respaldo. E o Luxa não tem moral para retornar a seleção. Restava-nos Pep. Ganhamos Felipão. Agora é torcer para que dê certo e ganhemos com o futebol horroroso de sempre. E que os clubes formadores não achem que o "quente" é ser retranqueiro.